Liminar mantém 150 mil empresas no regime de desoneração da folha

As cerca de 150 mil empresas representadas pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e pelo Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) poderão continuar a recolher a contribuição previdenciária sobre a receita bruta (CPRB) – e não pela folha de pagamentos – até dezembro. Uma liminar obtida pelas entidades no Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região (SP e MS) as autoriza a continuar no programa de desoneração da folha de salários, extinto pela Medida Provisória nº 774, editada este ano.

Apesar de se tratar de uma liminar, a decisão é relevante porque, segundo a Receita Federal, o Tesouro Nacional poderá perder cerca de R$ 2 bilhões se a chamada reoneração – a volta da cobrança exclusivamente sobre a folha de salários – entrar em vigor somente em janeiro de 2018.

Hoje, de acordo com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), há ao redor de 60 ações sobre o tema, principalmente nas regiões Sul e Sudeste. Em meio às reviravoltas nas discussões no Congresso Nacional, as empresas preferiram ir à Justiça para garantir a permanência no programa até o fim do ano.

Outro sinal favorável à tese de que a CPRB deve permanecer até dezembro é um recente precedente da Justiça Federal de São Paulo no mesmo sentido da liminar da Fiesp/Ciesp. A decisão de mérito foi obtida na sexta-feira por uma empresa de tecnologia da informação (ver abaixo).

A CPRB foi criada pela Lei nº 12.546, de 2011, durante o governo Dilma Rousseff, e fazia parte do “Plano Brasil Maior” – programa de desoneração tributária para reduzir a carga tributária sobre a folha de pagamentos. Inicialmente, a desoneração beneficiava um pequeno grupo de segmentos econômicos, como tecnologia da informação, transporte de carga e passageiros e hotelaria. Posteriormente, a lista foi ampliada.

Antes do novo regime, as empresas eram obrigadas a recolher valor equivalente a 20% da folha de salários ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Com a CPRB, passaram a pagar entre 1% e 4,5% sobre a receita bruta. Em 2015, o regime tornou-se facultativo com a edição da Lei nº 13.161.

Editada neste ano, a Medida Provisória nº 774 encerraria a desoneração para 50 segmentos a partir deste mês. Mas as discussões na Comissão Mista do Congresso sobre a conversão da MP em lei resultou em um relatório, de autoria do senador Airton Sandoval (PMDB-SP), que adia a medida para janeiro. O cenário, porém, ainda pode mudar – a MP ainda será votada pelo Plenário das duas Casas.

A liminar concedida para as empresas associadas à Fiesp e ao Ciesp é uma tutela antecipada concedida pelo desembargador relator Souza Ribeiro. Segundo a decisão, o fim da desoneração em julho violaria o princípio da segurança jurídica, que constitui um direito fundamental.

“Sendo a opção [pela CPRB] irretratável para o ano calendário, a modificação ou revogação do prazo de vigência da opção atenta contra a segurança jurídica”, diz o magistrado na decisão. “Viola também a boa-fé objetiva do contribuinte, que, na crença da irretratabilidade da escolha, planejou suas atividades econômicas frente ao ônus tributário esperado”, acrescenta.

Procurados pelo Valor, Fiesp e Ciesp preferiram não se manifestar. Segundo advogados tributaristas, porém, a decisão é importante porque quem não faz parte das entidades poderá recorrer ao Judiciário para obter o mesmo direito, com base na liminar.

O advogado Fabio Calcini, do Brasil, Salomão & Matthes Advocacia, lembra que, até o momento, só havia a informação de liminares individuais para garantir o pagamento da CPRB até o fim do ano. “Apesar de ser uma decisão provisória e monocrática, como foi proferida por um desembargador do TRF da 3ª Região e o efeito é coletivo dá a perspectiva de como o tribunal deverá analisar a questão”, diz.

O tributarista explica que as empresas fazem a opção pela CPRB em janeiro, com o primeiro recolhimento da contribuição, e se planejam assim para o ano inteiro. “Elas se organizam acreditando que até dezembro vão pagar a contribuição nessa mesma sistemática”, afirma Calcini.

Por nota, a PGFN informa que recorrerá quando intimada. “Trata-se de tese recente, mas que já havia sido identificada pelo órgão, ante seu potencial multiplicativo e impacto financeiro, razão pela qual inserida em acompanhamento especial, contando com sólida defesa a ser adotada em nível nacional”, diz o órgão.

A procuradoria afirma ter convicção na sua defesa em juízo. Argumenta não existir direito adquirido a regime tributário favorecido, nem norma que impossibilite a alteração de regime de tributação ou benefício fiscal.

Para o órgão, a irretratabilidade defendida pelas empresas implica a ultratividade de lei revogada para além de sua vigência, bem como em benefício fiscal sem o devido amparo legal.

Por Laura Ignacio | De São Paulo

Fonte : Valor

Desigualdade nas importações

As alíquotas do PIS/Cofins Importação foram majoradas pela Lei 13.137/2015, após o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar inconstitucional a inclusão do ICMS no valor aduaneiro, base de cálculo dessas contribuições. Foram aumentadas tanto a alíquota geral, como as alíquotas aplicáveis a produtos específicos. A alíquota geral de PIS/Cofins aumentou de 9,25% para 11,75%.

De acordo com o governo federal, esse aumento de alíquotas seria uma forma de colocar em igualdade competitiva os produtos importados e os produtos nacionais, tendo em vista que em 20 de março de 2013 o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins Importação (Recurso Extraordinário 559.937) – os ministros entenderam que essas contribuições na importação poderiam apenas incidir sobre “valor aduaneiro”, conceito que não abrange o ICMS.

Na visão do governo federal, os produtores nacionais estariam em desvantagem, pois deveriam incluir o ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins nas vendas domésticas. Como veremos, essa justificativa não se sustenta, pois o ICMS não pode compor a base de cálculo das contribuições em nenhuma hipótese, nem no mercado interno nem nas importações.

É importante que os contribuintes obtenham decisões para não pagar as alíquotas majoradas de PIS/Cofins Importação

Em janeiro de 2015, o governo federal editou a Medida Provisória (MP) 668/2015, que mais tarde seria convertida na Lei 13.137/2015. A exposição de motivos deixou claro o objetivo do governo: “Com o intuito de evitar-se que a importação de mercadorias passe a gozar de tributação mais favorecida do que aquela incidente sobre os produtos nacionais, desprotegendo as empresas instaladas no país, torna-se necessário elevar as alíquotas da Contribuição para o PIS/Pasep-Importação e da Cofins-Importação.”

Mas esse aumento de alíquota já nascia ilegal. Isso porque o ICMS também não pode compor a base de cálculo do PIS/Cofins incidente nas operações no mercado interno, como já havia sido reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal em 8 de outubro de 2014, portanto antes da edição da MP 668/2015, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário 240.785 (que tinha efeito apenas entre as partes daquele processo).

No início deste ano, esse entendimento foi confirmado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário 574.706, com repercussão geral (ou seja, conclusão que deve ser observada pelas demais Cortes do país).

Em outras palavras, as alíquotas majoradas do PIS/Cofins Importação impõem uma tributação mais gravosa aos produtos importados (taxados, por exemplo, à alíquota geral de 11,75%) que aos produtos nacionais (taxados, por exemplo, à alíquota geral de 9,25%), em clara ofensa ao Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT).

Os países signatários do GATT, dentre eles o Brasil, concordam em não tributar de forma mais vantajosa os produtos nacionais em detrimento dos produtos importados de outros países signatários. Trata-se do princípio da não discriminação. Esse acordo foi internalizado no Brasil pelo Decreto Legislativo 30/94 e, nos termos do artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN), deve ser respeitado pela legislação posterior.

Portanto, o aumento das alíquotas do PIS/Cofins Importação é ilegal, viola o princípio da não discriminação do produto importado de países signatários do GATT e ofende o artigo 98 do CTN. Em outras situações similares de ofensa ao GATT o tratamento desigual foi repelido de forma pacífica pelo Superior Tribunal de Justiça (Súmulas 20 e 71) e pelo STF (Súmula 575).

Contudo, tendo em vista que as alterações introduzidas pela Lei 13.137/2015 ainda continuam em vigor e não foram expressamente declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, os contribuintes interessados em questionar esse tema devem procurar o Judiciário.

Especificamente com relação ao pedido de restituição do que foi pago indevidamente no passado já é possível saber o entendimento das autoridades fiscais federais. A Receita Federal do Brasil (RFB) editou o Parecer Normativo Cosit/RFB 1/2017, com o intuito de regular os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal mencionada acima, que julgou inconstitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins Importação (Recurso Extraordinário 559.937).

Dentre outras previsões, esse parecer normativo determinou que a RFB somente deverá aceitar pedidos de restituição de PIS/Cofins Importação pagos indevidamente por contribuintes sujeitos ao regime não cumulativo do PIS/Cofins quando tais contribuintes comprovarem que não aproveitaram créditos relativos às contribuições pagas indevidamente na importação.

Entendemos que esse entendimento da RFB pode ser questionado, pois não encontra base legal. O fato é que esse precedente mostra que provavelmente a RFB criará dificuldades para os pedidos de restituição. Por esse motivo, é importante que os contribuintes obtenham decisões autorizando-os a deixar de pagar as alíquotas majoradas de PIS/Cofins Importação desde já, para diminuir o valor sujeito à restituição no futuro.

Vinicius Jucá Alves é sócio de TozziniFreire Advogados e professor da Direito FGV/SP

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Por Vinicius Jucá Alves

Fonte : Valor